Por Cesar Gama *
O que leva um país como o Brasil a se apegar a uma tecnologia de geração de energia que praticamente todos os países do primeiro mundo já começaram a banir, não apenas pelos riscos que ela representa para a segurança humana e o ambiente, mas principalmente pelo fato de ser anti-econômica e não competitiva em relação às demais formas de produção de energia existentes?
Vários países suspenderam totalmente a geração nuclear de suas matrizes energéticas, desativando e abandonando suas instalações, como a Italia, a Áustria e as Filipinas. Os Estados Unidos e a França estacionaram seus programas de energia nuclear, enquanto a Alemanha anunciou em 2001 que em 20 anos fechará todas as suas usinas.
Navegando contra a corrente, o Brasil se prepara para ser um dos consumidores mais ativos de uma indústria em plena decadência mundial, que terá que se voltar para o mercado dos países emergentes e do terceiro mundo para oferecer o refugo de sua tecnologia reprovada em seus países de origem, se ainda desejar obter lucrativa sobrevida na economia global.
O governo brasileiro fechou negociações com a estatal francesa de energia nuclear, a Areva, que está por trás de dezenas de acidentes nucleares na França, que irá ajudar o Brasil a gerir seu programa nuclear, exatamente numa época em que as dezenas de desastres ocorridos nas usinas francesas desaconselham a expansão desse tipo de energia naquele país.
Em 2007, o Ministro do Meio Ambiente francês, Jean-Louis Borloo, revelou que ocorreram 86 incidentes nucleares no país e, em 2006, um total de 114. Os acidentes mais graves dos últimos anos, em usinas gerenciadas pela Areva ou pela EDF - ocorreram com a central de Tricastin obrigando, em 2008, a que milhares de integrantes das populações de municípios circunvizinhos à usina deixassem de consumir água do sistema municipal de coleta e distribuição de água, em virtude da contaminação por líquidos radioativos dos dois rios que abasteciam as cidades da região. Como resultado, as comunidades dos municípios ao redor da usina são obrigadas a recorrer a água engarrafada.
O último acidente em Tricastin ocorreu em junho de 2008, no centro de tratamento de rejeitos radioativos da central nuclear, durante uma rotineira operação de drenagem, que acabou derramando cerca de 75 Kg de urânio, contaminando a terra e os rios Gaffiere e Lauzons, afluentes do Ródano. O uso dos poços subterrâneos também foi proibido em toda a região, além da pesca e natação nos rios contaminados.
A Agência de Segurança Nuclear informou à época que os elevados níveis de urânio nas águas subterrâneas de Tricastin não poderiam ter sido causados apenas pelo recente vazamento de radiação, mas sim por uma continuada contaminação do lençol freático e do solo do ambiente no entorno da usina nuclear, imputando-a à negligência da estatal Areva.
A Areva tem sido acusada na França de esconder os acidentes prejudicando a população. No acidente de julho de 2008, por exemplo, o vazamento foi detectado no dia 7, mas a população continuou a beber água contaminada com urânio porque não foi informada até o dia seguinte. A presidente da Areva, Anne Lauvergeon, afirmou à época que “o vazamento foi uma simples ‘anomalia’, que não representava qualquer perigo para o homem ou para o ambiente”.
Até 2008, a maior parte dos habitantes da região de Tricastin aceitava as centrais como livres de riscos. Os continuados desastres naquela usina mudaram a opinião da população, abalando a confiança francesa na segurança nuclear. Sem ter como continuar desovando seus reatores na França, diante da cada vez maior oposição a esse tipo de energia no país, o presidente Sarkozy decidiu exportar o know how nuclear e o potencial de negligência da estatal Areva para o mundo todo e, claro, para o Brasil.
O fiasco da energia nuclear
Em sua mais recente obra denominada “Nossa Escolha – Um Plano para Solucionar a Crise Climática”, o ex-vice presidente americano e ambientalista Al Gore observa que relatório elaborado a atualizado em 2009 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts – o MIT, diagnosticou que “a energia nuclear poderia ser uma opção para reduzir as emissões de carbono”, mas concluiu desoladamente: “No momento, entretanto, isso é improvável: a energia nuclear enfrenta estagnação e declínio”.
Segundo Gore, em 1960 a Comissão de Energia Atômica americana previu que até o ano 2000 os Estados Unidos teriam mais de mil usinas nucleares. “Apenas um décimo desse número se confirmou”, constata, acrescentando que a indústria permanece moribunda no país e “seu crescimento desacelerou dramaticamente no mundo, sem novas unidades(...) (...) E completa: “Nos Estados Unidos, nenhuma usina nuclear encomendada depois de 1972 chegou a ser concluída”.
Al Gore arrisca que os dois maiores acidentes com usinas – o de Three Mile Island, nos EUA, e o de Chernobyl, na Ucrânia - além da dificuldade sobre o que fazer com o armazenamento de longo prazo dos resíduos radioativos – que às vezes precisam ser mantidos isolados do ambiente por milhares e até milhões de anos – seriam as duas causas mais aparentes para o declínio da energia atômica no país.
Mas Al Gore aponta uma razão ainda mais utilitarista e adequada ao capitalismo selvagem reinante nas Américas: o custo de construção de uma usina nuclear aumentou de maneira desordenada, ao ponto de apenas em países onde a energia nuclear é subsidiada pelo Estado, como na França, onde uma estatal controla as usinas, é possível manter a competitividade com outras formas de geração de energia elétrica muito mais baratas, como a hidrelétrica, à custa de grandes prejuízos aos cofres públicos. Ele cita um diagnóstico de 1985, feito pela revista Forbes, que em função da característica anti-econômica desse tipo de indústria à época vaticinou: “Para os Estados Unidos, a energia nuclear está morta – morta no futuro próximo, como salvaguarda contra o argumento dos preços do petróleo, e morta num futuro distante, como fonte de energia. Ninguém realmente discute isso”.
O autor de “Nossa Escolha” revela ainda um dado surpreendente: dos 253 reatores de energia nuclear encomendados no país de 1953 a 2008, 48% foram cancelados, 11% foram encerrados prematuramente, 14% passaram por pelo menos uma interrupção de um ano ou mais e 27% estão operando sem ter passado por tais interrupções.
O cientista dinamarquês Bjorn Lomborg, autor de uma verdadeira bíblia contra os ambientalistas engajados – o polêmico livro “O Ambientalista Cético – Revelando a Real Situação do Mundo”- ferrenho adversário do Greenpeace e de todos os que sustentam a natureza antrópica do aquecimento global (ele não concorda que as alterações climáticas do planeta sejam decorrentes da ação do homem), apesar do seu incrível pragmatismo ao minimizar os efeitos da atividade econômica humana sobre o ambiente, não deixa de contribuir na discussão sobre energia atômica com uma lamentável conclusão sobre ela, a corroborar justamente o diagnóstico do ambientalista Al Gore e dos capitalistas da Forbes acerca do alto custo desse tipo de energia: “a energia nuclear tem sido pouco eficiente na produção de energia, razão provável por que seu uso não tem se difundido mais (...) (...) Normalmente o preço oscila em torno de 11 a 13 centavos de dólar por Kilowatt-hora, a preços de 2000. Compare-se essa cifra com o preço médio da energia dos combustíveis fosséis, de 6,23 centavos de dólar”.
Apesar de desenvolver uma espécie de sentimento nitidamente anti-ambientalista, Bjorn não deixa de admitir também o outro grave problema da energia nuclear: o fato dela acumular indefinidamente “refugos que permanecem radioativos por muitos e muitos anos (alguns além de 100 mil anos)” e que precisam ser mantidos hermeticamente isolados do ambiente por todo esse período, sob pena de comprometimento de toda a vida no planeta.
___________________________________
* César Gama é jornalista, psicanalista, professor, formando em Biologia, bacharelando em Filosofia e membro-voluntário do Greenpeace. Este artigo foi elaborado com dados de sua monografia de conclusão do curso de Licenciatura, intitulada O estorvo da Energia Nuclear: ou de como a suposta ‘energia limpa’ é tão cara ao ambiente.
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