Um mundo polarizado – Amorim iniciou sua fala dizendo que os fatos e eventos históricos não acontecem como um ‘estalo’, discorrendo sobre ‘A ditadura militar no Brasil: a História em cima dos fatos”, situando o momento diante da conjuntura internacional que colocou em lado opostos ex-aliados na Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos (EUA) e União Soviética (URSS), idealizadores respectivamente da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e Pacto de Varsóvia, abrindo oficialmente o que ficou conhecido como Guerra Fria. Daí, ele voltou-se para a América Latina, destacando-se a Revolução Cubana de 1º de janeiro de 1959, que teve como principais líderes Fidel Castro e Ernesto Che Guevara. Em seguida Amorim historiou o que significou os governos de Juscelino Kubitschek de Oliveira, Jânio Quadros e João Goulart, chegando finalmente ao regime de exceção, a Ditadura Militar “cujos males é preciso que a gente se reporte para que nunca mais voltem a acontecer no Brasil nem no mundo”, disse Amorim.
Cruel, desumano e degradante – Sobre a implantação do Regime Militar, Amorim afirmou que “grande parte das pessoas concordaria com o conceito de regime político,onde é privilégio de um ou de poucos comandar o governo sem atender aos apelos do povo”. Acrescentou que as perseguições e as manifestações da sociedade brasileira, “a repressão no Brasil, durante a era de chumbo, é a principal identidade deste período, onde todos que não comungassem com as idéias do regime, estariam propensos a retaliações de vários matizes, fossem políticos, estudantes, intelectuais, artistas, militares, profissionais liberais, ninguém estava livre das garras das ‘arapongas’, sendo os membros das ligas camponesas, no Nordeste, alvos preferenciais da repressão”, acrescentou. O AI-5, que para Zilda Junqueira, era “cruel, desumano e degradante”, foi o maior símbolo de repressão deste período.
Do Brasil a Sergipe – Coube ao propriaense nascido em 1917, João de Seixas Dória, o papel de maior protagonista da ditadura militar em nosso estado, Ex-udenista, elegeu-se no projeto de oposição a Leandro Maciel e manteve-se fiel ao presidente João Goulart. Foi arrancado do poder e enviado como preso político a Ilha de Fernando de Noronha. “Nos anos de 1950 o Estado foi gerido por políticos da UDN. João de Seixas Dórea, um ex-udenista que se interessava pelos problemas sociais, enfrentando a reação dos proprietários rurais”, falou José Amorim. O historiador descreveu a queda de Seixas Dórea, a repressão do governo militar e a reação da sociedade sergipana.
Cidade progressista – Depois desta explanação, “necessária para entender o que ocorreu em Propriá’, disse, Amorim voltou-se para a cidade de Propriá, uma cidade progressista, líder da economia do Baixo São Francisco, sendo na época a segunda maior economia do estado, atrás apenas da capital, Aracaju. Amorim fala em seguida da organização social e política de Propriá, destacando a forte presença do moimento sindical, dos estivadores, dos têxteis, entre outros. “Propriá sempre se colocou como uma resistência ao autoritarismo. A polarização sempre foi o forte em Propriá: UDN X PSB, ARENA X MDB, PFL X PT, Amarelo X Vermelho”, testemunha Amorim.
Cidade Sitiada – “No dia 1º de Abril de 1964, quando ia pegar o leite, me surpreendi com centenas de soldados que teriam vindo de Aracaju em 10 ônibus da Bomfim. Corri, derramei o leite, amassei o balde. Propriá amanheceu sitiada. No dia 04 de abril daquele ano o governador João de Seixas Dória foi afastado oficialmente, depois de uma entrevista na Rádio Difusora (atual Aperipê). Já no dia 08 de abril, foi a vez do prefeito de Propriá, o progressista Geraldo Maia ser cassado. Era a operação de combate a subversão”, descreveu Amorim. “A ditadura não fez vítimas somente aqueles que foram indiciados, mas aos seus parentes”, referindo-se a esposa do sindicalista Noílio e do vereador Lila, ambos presos, perseguidos, vítimas deste regime do terror.
Citando Vandré – Amorim fez referências a artistas, intelectuais, músicos que com sua obra expressaram-se em nome do povo brasileiro. Muitos deles foram presos, torturados, como Geraldo Vandré, autor daquele que foi considerado o ‘Hino da Resistência’, a célebre ‘Para não Dizer que não Falei de Flores’:
“Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais, braços dados ou não,
Nas escolas, nas ruas, campos, construções.
Caminhando e cantando e seguindo a canção,
Pelos campos a fome em grandes plantações,
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo canhões.
Vem, vamos embora que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora não espera acontecer.
Vem, vamos embora que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora não espera acontecer.
Há soldados armados, amados ou não,
Quase todos perdidos de armas na mão,
Nos quartéis lhes ensinam antigas li ções,
De morrer pela pátria e viver sem razão.
Nas escolas, nas ruas, campos, construções,
Somos todos soldados, armados ou não,
Caminhando e cantando e seguindo a canção,
Somos todos iguais braços dados ou não.
Vem, vamos embora que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora não espera acontecer.
Vem, vamos embora que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora não espera acontecer.
Os amores na mente, as flores no chão,
A certeza na frente, a história na mão,
Aprendendo e ensinando uma nova lição,
Caminhando e cantando e seguindo a canção.
Vem, vamos embora que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora não espera acontecer.
Vem, vamos embora que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora não espera acontecer.”
A ditadura em debate – Em seguida abriu-se o debate, onde professores e estudantes fizeram perguntas ao palestrante. Os professores Eraldo e Jussier deram testemunhos do período e parabenizaram a Amorim pela sua brilhante explanação. A estudante Bruna Mecenas (3º Seriado A) fez uma pergunta por escrito, enquanto que os estudantes Christian Gomes (3º C) e Rivaldo Batista (3º B) expressaram-se verbalmente. A estudante Edlin Torres leu um texto elaborado em conjunto com o colega Itamar Sávio (ambos do 3º B). Participaram da palestra estudantes dos 3º Seriados, acompanhados dos professores Regina (Educação Física), Marcelo (Geografia) e Ana Lucia (Língua Portuguesa) e Creuza (Matemática), que conduziu até o local seus estudantes do 2º Seriado. Professoras de outras escolas prestigiaram com suas presenças a palestra de Amorim, entre elas Enercila (Colégio Estadual João Fernandes de Britto e Solange (Colégio Estadual Graccho Cardoso).
Ampliando o debate – Após a finalização da palestra, foi sugerido a ampliação para as turmas da noite, pela importância do tema, principalmente por se tratar de um conteúdo obrigatório da IV Unidade do Plano de Ensino de História e do Vestibular da Universidade Federal de Sergipe (UFS), acrescentando ainda que a palestra poderia ser levada para outras escolas que naturalmente demonstrarem interesse. Ele concluiu sua fala agradecendo o convite, parabenizando o professor Claudomir pela iniciativa, citando finalmente versos do dramaturgo alemão Bertoldo Brecht:
“Primeiro levaram
Os comunistas
Mas eu
Não era comunista
Em seguida levaram os operários
Mas eu não era operário
Depois, detiveram os sindicalistas
Mas eu não era sindicalista
Logo depois prenderam os padres
Mas eu não sou religioso
Também não me importei
Agora eles estão
Levando a mim
Mas já é tarde...”
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