15 de nov. de 2009

Dom Pedro II no Baixo São Francisco (Sesquicentenário de uma visita - I)

Texto: Luiz aFernando Ribeiro Soutelo *

A viagem e o seu sentido - Neste mês de outubro o calendário histórico de Sergipe assinala o transcurso dos cento e cinquenta anos da visita que o Imperador Dom Pedro II fez ao baixo São Francisco, desde a sua foz até a cachoeira de Paulo Afonso. Esta visita se enquadra numa viagem mais ampla que o Imperador enfrentou entre outubro de 1859 e fevereiro do ano seguinte, indo às províncias da Bahia, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe e do Espírito Santo.

Desde a década anterior, pessoas ligadas à Família Imperial, como o diplomata Visconde de Porto Seguro e a Princesa de Joinville, irmã do monarca, advogavam a idéia de que era preciso o Imperador viajar, mostrar-se aos súditos. Era uma forma de reforçar os laços que ligavam a sociedade e a monarquia, evitando que o prestígio, ainda reinante, devido à causa do trono, fosse perdido.

Aliás, o próprio Porto Seguro sugeria a Dom Pedro II transferir o parlamento e o governo para Pernambuco por um ano, como uma forma de superar as possíveis diferenças que remanesceram entre os pernambucanos e o governo central em decorrência da Revolução Praieira (1849).

A Dom Pedro II não devia ser desconhecida a importância de sua presença junto aos súditos. Já em 1845, ele colhera pela primeira vez os resultados de viajar pelas províncias do sul: Rio Grande do Sul, logo após a vitória das tropas imperiais em face dos Farroupilhas, Santa Catarina e São Paulo, e mais tarde a algumas cidades e vilas da província do Rio de Janeiro (1847).

E os ganhos não foram apenas no plano político, mas também no campo pessoal. No retorno à Corte, em abril de 1846, o ministro Rechberg, da Áustria, evidenciava a boa impressão causada pelo jovem Imperador de 21 anos incompletos, pois ele “cresceu consideravelmente e ganhou aplomb que parece indicar um caráter firme e decidido” (LYRA, 1977: 147).

Obviamente as viagens imperiais tinham um objetivo político, como vimos, diante da necessidade de que ele “fosse visto por todo canto, prestigiando assim as localidades mais distantes. A presença de d. Pedro II em outras cidades e províncias era mesmo necessária até para que a monarquia se fortalecesse e preservasse a unidade nacional” (SCHWARZ, 1998: 357).

O reforço das ligações entre o monarca e a sociedade local dá-se também com a concessão de
títulos nobiliárquicos, condecorações e outras honrarias.

Finda a viagem imperial, em 1860, Dom Pedro II faria em Sergipe três barões – Itaporanga, Japaratuba e Propriá, trinta e seis comendadores das Ordens de Cristo e da Rosa, trinta oficiais da Ordem da Rosa e quarenta e três cavaleiros da mesma Ordem, além de dois cônegos horários da Capela Imperial.

As observações do Imperador em sua “longa” viagem, de cinco meses, estão nos diários que escreveu.

Estes, de viagem ou não, encontram-se entre os documentos do Arquivo da Casa Imperial. Levados para a França, após o 15 de novembro de 1889, foram organizados no Castelo d´Eu pelo historiador Alberto Rangel. Nos anos trinta, toda a documentação foi doada ao Museu Imperial (exceto algumas cartas de família) pelo Príncipe do Grão Pará, primogênito da Princesa Isabel, embora somente chegasse ao Brasil após a Segunda Guerra Mundial.

O diário de Sergipe foi publicado pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico (no. 26), a Revista de Sergipe (nº 7) e em Sergipe e seus monumentos, de José Anderson do Nascimento, além de estar no original e transcrito num cd editado pelo Museu Imperial. Não constitui na realidade um diário propriamente dito, pois Dom Pedro II nunca o escreveu. São simples notas para futuro aproveitamento.

A viagem à cachoeira de Paulo Afonso, que inclui a passagem pelas cidades e vilas ribeirinhas do São Francisco, está no diário da visita à província da Bahia, esta desenvolvida em três etapas distintas.

Na preparação da viagem, expediram-se ordens para as províncias a serem visitas, dentre elas uma era expressa: não deviam ser realizadas despesas extraordinárias à custa dos governos locais. Dizia o documento “(...) e que como seus habitantes podem querer fazer gastos extraordinários para solenizar tão honrosa visita, S. Exa. previne que conquanto S. M. o Imperador aprecie decididamente todas estas demonstrações, será muito do Imperial agrado, que os donativos com que conjurem concorrer para este fim possam ser aplicados em benefício das localidades que o mesmo Augusto Senhor visitar” (APES G1235 – Ofício do Ministro do Império ao Presidente da Província de Sergipe, datado de 15 de setembro de 1859).

Por sua vez, instado a opinar sobre o roteiro da viagem, o Presidente Manuel da Cunha Galvão opinava que o Imperador podia ir de Salvador a Penedo, de Penedo a Propriá, de Propriá a Traipu, de Traipu a Piranhas, viajando embarcado, e de Piranhas a Paulo Afonso, a cavalo, pelo território alagoano. E colocava que, na volta, o monarca podia pousar em Vila Nova (atual Neópolis), na casa de Bento de Melo Pereira, Barão da Cotinguiba (APES – G1235 – Ofício anteriormente citado).

O Imperador Dom Pedro II que visitaria os seus domínios do norte não é mais o rapazinho de vinte anos que estivera, em 1845, na província de São Pedro do Rio Grande do Sul. É um homem de trinta e quatro anos, em pleno vigor físico, casado há dezesseis anos, pai de duas filhas, pois os dois herdeiros varões – os Príncipes Dom Afonso e Dom Pedro Afonso, morreram pequenos. Nesta altura da vida, encontrara aquela de quem se pode dizer que foi o amor de sua vida: D. Luísa Margarida Portugal de Barros, futura Condessa de Barral.

Estava à frente do governo há exatos dezenove anos. Enfrentara as revoltas internas no Rio Grande do Sul, em São Paulo, em Minas Gerais e em Pernambuco, além de uma guerra externa, contra Rosas, ditador argentino. Agora o Império, não obstante as suas contradições internas, estava sob a égide da paz. Libertando-se do círculo áulico, do qual Aureliano Coutinho e Paulo Barbosa da Silva eram as mais expressivas figuras, firmara a sua autoridade, exercendo um controle mais estrito sobre o governo, o chamado “poder pessoal”, tão criticado pelos opositores do regime, e a política nacional.

Bibliografia

1.LYRA, Heitor. História de Dom Pedro II, São Paulo/Belo Horizonte: Editora da Universidade de São Paulo/Editora Itatiaia, 1977.
2.SCHWARZ, Lilia. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos, São Paulo: Companhia das Letras, 1998
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* Escritor e Historiador

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