Por Mariana Vieira
Na Rua Curitiba, Bairro industrial, eu fui recebida por uma senhora franzina de camisola rosa claro, feição melancólica e olhos verdes. Esta senhora atende pelo apelido de Candelária, uma figura mítica de Aracaju.
Entretanto esta mesma senhora,na década de 60,foi a prostituta mais famosa e requisitada da capital. Ela foi uma exceção entre as prostitutas, pois conseguiu desfrutar de certo glamour, tal qual assistimos nos filmes. Hoje, reclusa das badalações, ela é presidente Associação Sergipana de Prostitutas (ASP) onde luta pela cidadania das profissionais da área.
Antes de ser Candelária, Maria Niziana Castelino, ainda muito pequena, vivia só com a mãe que logo foi vítima de tuberculose, fato que ela relata sob lágrimas. Desse tempo em diante passou por um orfanato e de lá foi adotada por uma família. A mulher que a adotou agredia-lhe bastante. “Ela não me batia, ela me espancava e depois me dava banho de água de sal. Me colocava pra dormir no quintal com os cachorros”. Não agüentando tal condição de vida, foi morar nas ruas onde passou por muitas privações. “Na igreja tinha um lugarzinho onde eu me protegia de sol, de chuva, mas as beatas me expulsavam. Dormir debaixo dos bancos das praças era muito frio”.
Ela saiu das ruas para trabalhar numa casa como doméstica e num teatro, onde aprendeu a dançar. “Dançava mambo, strip-tease, e a dança dos sete véus, mas não é o strip-tease de hoje não”, afirma candelária demonstrando que rosas cobriam seus seios e partes íntimas (um pouco mais comportado do que hoje se vê). Foi no teatro que recebeu o apelido, na verdade seu nome artístico, Candelária, por ser bonita e imponente como a igreja da Candelária.
Aos 16 anos começou a trabalhar na casa de prostituição mais elegante da capital, Miramar. Candelária relata que o começo de sua vida na prostituição foi de forma ingênua, pois como era muito nova, tinha medo dos homens que recebia no quarto. Irenilde Santos, sua amiga e parceira na ASP, explica “Ela era tão linda, tão linda que nem precisa fazer nada, que o homem só de olhar, conseguia o que queria.”
Em relação aos casos e amores da época, ela afirma que não teve nenhum de grande importância, apenas um que quando ainda muito jovem prometeu-lhe casamento. Mas foram muitos os apaixonados pela jovem de corpo esguio e olhos verdes. “Teve um que se apaixonou por ela, mas ele teve que viajar para estudar fora, pois aqui em Aracaju não tinha muito recurso para ele se formar. Ele voltou faz cinco anos, mas disse que não quer ver a Candelária hoje, porque quer ficar com a última lembrança que ele tem dela, com um vestido azul que ele mais gostava. Ele não quer ver a Candelária de hoje, quer manter aquela imagem.” Irenilde comprova a visão que Candelária causou no imaginário masculino.
Durante toda a sua vida na prostituição Candelária afirma que teve todos os seus sonhos de consumo supridos, pois tudo que queria seus clientes lhe davam, desde jóias até viagens. Alega que seu maior sonho mesmo era ter uma grande família, como ela assistia no filme “A noviça rebelde”, para preencher seus vazios na época, que até hoje não foram preenchidos, segundo a própria.
Quando o assunto é família e filhos, Candelária se emociona muito, pois seu primeiro filho ficou com ela só o período de amamentação, logo após foi retirado, pelo fato de ser prostituta. Esse fato foi determinante para gerar revolta e uma certa anarquia em Candelária que afrontou a sociedade (ainda mais) moralista da época. Foi presa diversas vezes, e deportada pra seu estado de origem (PE). Por duas vezes, ainda na estrada, fugiu de volta para Aracaju. Num tempo onde a sociedade cobrava da policia que as prostitutas andassem nas ruas depois das 10 da noite para não se misturarem com mulheres de família, Candelária, à luz do dia, ousava freqüentar casas de chás e sorveterias, mas ao não ser atendida, virava as mesas. Ia presa mais uma vez, no entanto os seus clientes a soltavam.
Aos 23 anos Candelária larga a prostituição e dá um novo rumo à sua vida. “È uma lutadora. Ela realmente procura lutar pelos direitos das prostitutas. Eu vibro muito quando vejo candelária atuando nessa luta.” Essa frase foi como o médico e porta-voz do que se diz respeito a AIDS no Estado, Almir Santana, definiu Candelária. Pelo fato dela servir de intermediaria entre a secretaria de saúde e as prostitutas, por facilitar o acesso e compreender a linguagem e o cotidiano das profissionais do sexo. Essa parceria entre Almir e Candelária, visa distribuir preservativos e fazer campanhas de prevenção entre as profissionais, para que assim sejam melhor atendidas.
O trabalho da ASP não se restringe apenas a prevenção. Também oferece cursos de artesanato, culinária, informática entre outros. Planejamento familiar e apoio psicológico também estão inclusos no projeto. Não apenas as prostitutas são beneficiadas pela ASP, mas seus filhos também, acolhendo de forma ampla toda a família, o que auxilia na construção de uma base.
Através do seu trabalho, a associação foi premiada pela revista Claúdia e pela UNDP (sigla em inglês para o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas) pelo trabalho de redução de danos em drogas. Esses foram alguns dos reconhecimentos que obteve ao longo do seu trajeto.
Vale ressaltar que nem a ASP nem Candelária fazem apologia à prostituição, apenas querem garantir o direito à cidadania, saindo em defesa destas mulheres marginalizadas pela sociedade.
Ao perguntar se Candelária se considerava a ‘fada madrinha’ das prostitutas, antes mesmo da própria responder, Irenilde interrompe e dá a resposta emocionada “Mãe! Eu to dizendo isso porque é o que eu sinto por ela. Ela é a minha mãe porque o que ela faz por mim é coisa de mãe. É o que eu sempre digo: eu perdi uma mãe, mas ganhei outra.”
Candelária tem o espírito materno aflorado, e coloca esse sentimento em tudo que faz. Ela é alma da ASP e vice-versa. É de onde esta mulher de saúde debilitada tira as suas forças para viver. Com uma grande trajetória de vida, Candelária é prova viva de que nunca é tarde para fazer um novo começo.
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Um comentário:
Mariana Vieira, parabéns pela matéria.E a ASP está de parabéns pelos trabalhos que desenvolve, ainda mais quando o intuito é o de combater as discriminações direcionadas as profissionais do sexo.
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