José do Patrocínio Hora Alves (Org.)
Apresentação
Perguntem numa escola sergipana onde nasce o Rio Sergipe, e, quase com certeza, nenhum aluno saberá responder. Muitos dirão, sem dúvidas, que essa pequena ignorância não tem nada a ver com a qualidade do nosso ensino, nem se trata de coisa fundamental, ou que tenha qualquer implicação prática um conhecimento assim, quase excêntrico ou supérfluo sobre o sítio exato onde um filete d’água assinala o surgimento de um rio que, intermitentemente, vai vencendo a aridez sertaneja e, misturado depois com o mar, sob efeito forte das marés, transforma-se no amplo estuário onde, pela margem direita se espraia a capital, Aracaju.
Todavia, pequenas e irrelevantes ignorâncias assim, vão se somando e transformam-se naquela pesada cortina de desconhecimento que nos separa da nossa história, das nossas raízes, e nos fazem como a todos os demais brasileiros, aqueles “degredados dentro da nossa própria terra”.
Perguntem a um menino iraquiano qualquer nas ruas de Bagdá, de onde vêm o Tigre e o Eufrates, que agora tingem-se tão frequentemente de sangue, sangue da guerra suja, imperialista de W. Bush, e ele poderá até não responder, mas, lembrará certamente, de alguma lenda, alguma estória contada pelos pais, pelos avós, sobre aqueles rios. E, na resposta que der, estarão alguns fiapos de dialetos ancestrais, reminiscências milenares de antigas civilizações. Assim, serão seguidas as pistas de três, quatro mil anos de História, de um povo com identidade.
Diante desse mergulho no tempo a nossa História é apenas uma página breve. Mas, que página tão esquecida, por isso mesmo desprezada e tornada desimportante.
Desprezando o próprio passado, diminuímos a nós mesmos, desfiguramos a nossa identidade, e o que é pior, tendo perdido o elo histórico que é essencial, deixamos de nos situar criticamente diante do que é atual, cotidiano, presente, real.
Daí porque, não surpreende aquele desconhecimento sobre as nascentes do Rio Sergipe. Como coletividade, também não temos consciência do que é aquele rio, do que significa aquele rio, da importância que tem aquele rio para todos nós que vivemos às suas margens.
E aquele rio há séculos vem sendo sistematicamente agredido. Primeiro, foram os portugueses atulhando os porões das suas caravelas com a madeira vermelha que a Europa tanto consumia. Chegaram também os corsários franceses. Abrigavam suas naus no vasto estuário, ficavam protegidos, e, junto com os índios, iam devastando as matas. Por volta de mil e setecentos não havia mais vestígio do pau brasil na imensa floresta atlântica que cobria toda a fímbria costeira sergipana, e acompanhava o Rio Sergipe até quando, depois das serranias de Itabaiana e Ribeirópolis, os ares e as terras se tornam mais secos, e começa o domínio das plantas xerófilas. Por esse tempo, nos verões, descia pelos afluentes e chegava até o oceano a fedentina do caxixi dos engenhos. Os peixes começavam a morrer, as baleias evitavam aquelas águas onde antes chegavam em quantidade, fazendo a festa maternal aos filhotes recém nascidos. As casas senhoriais da Cotinguiba, algumas do Aracaju, foram erguidas com a argamassa poderosa do óleo dos cetáceos.
Os primeiros esgotos de Aracaju, obra pioneira de Gracho Cardoso na década dos vinte, despejavam direto, sem nenhum tratamento nas águas do rio. Entendia-se assim o progresso. Saneava-se a cidade, e o rio era a cloaca natural, onde os restos malcheirosos da civilização teriam de ser despejados. Acontecia aqui, e por aquela época, o mesmo se fazia no Tamisa, em Londres, que era a pujante capital do maior império do mundo. Mas, em Paris, no século dezoito, um decreto real já proibia o lançamento de dejetos no rio Sena.
Aqui, onde as margens do rio e dos seus afluentes já estavam desnudadas daquelas matas exuberantes que as recobriam, aqui, terra de vassalos submissos e coronéis arrogantes, o conceito de modernidade era o conforto para as elites.
Com essa visão preponderante das classes dominantes que tudo podem, os mangues foram sendo devastados, aterrados.
Aracaju se foi expandindo, tornando-se uma cidade verticalizada, e o sistema de esgotos mesmo tendo sido ampliado, entrou em colapso. Agora, seus efluentes são despejados nos canais que correm todos para o rio. Vez por outra, o oxigênio escasseia nas águas, e há aquelas aterradoras mortandades de peixes. Há muitos anos, nesse rio assim tão imundo, os golfinhos rareiam, ninguém os vê mais fazendo as suas cabriolas em frente à Ponte do Imperador, que aliás não é ponte.
Mas há uma ponte imensa agora cruzando o rio.
Passam os anos e a noção de progresso continua atrelada à mesma concepção excludente das elites.
O rio Sergipe é cenário histórico e também vítima dessa pseudo modernidade que nos assola. E martiriza.
O odor nauseabundo que agora exala o rio, entra pelo nariz das pessoas, e isso deve servir para despertar consciências.
Coube ao jornalista Osmário Santos a iniciativa salutar e ordenadora de dar um sentido àquela convicção de que algo de muito ruim está acontecendo com o Rio Sergipe.
Osmário, inquieto e criativo, agitou a comunidade, clamou pela urgente necessidade de salvação do nosso rio antes que ele seja criminosamente transformado numa imensa e pútrida fossa.
A Universidade Federal de Sergipe silenciosamente, já realizava estudos sobre a metamorfose que se processava em águas antes límpidas, em manguezais santuários de vida, tudo se transformando num mortífero sistema onde os organismos vivos vão sumindo.
O Reitor Josué Modesto dos Passos Sobrinho quer dar visibilidade aos trabalhos de pesquisa, aos estudos efetuados, e assim, nasceu este livro, Rio Sergipe: Importância, Vulnerabilidade e Preservação, organizado pelo professor José do Patrocínio Hora Alves.
As pesquisadoras Myrna Landim e Carmen Parisoto Guimarães, analisam os efeitos e as ameaças sobre os manguezais dos despejos dos esgotos, principalmente na área da Treze de Julho, onde todo um ecossistema está ameaçado.
A professora Lílian de Lins Wanderley, geógrafa com incursões sapientes nas áreas da ecologia, faz uma digressão histórica fundamentada em conhecimentos amplos sobre as variações que se processaram ao longo do tempo na foz do rio Sergipe, o que suscitou movimentada polêmica, quando se tratou de construir o porto oceânico para fugir da inconstância ameaçadora do problemático estuário.
O agrônomo Ailton Francisco da Rocha e o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Sergipe e ex-vereador, Antônio José Góis, elaboraram um detalhado quadro sobre a gestão participativa e tecnicamente recomendável dos recursos hídricos da bacia do Sergipe.
Ayda Vera Alcântara, do Departamento de Biologia da UFS, descreve, minuciosamente, a composição da ictiofauna do estuário do Sergipe. Fica-se sabendo, por exemplo, que ali existem 136 espécies de peixes, formando 50 famílias, o que mostra a riqueza da vida marinha no rio Sergipe, apesar da pesca predatória, da poluição, da redução das áreas de manguezais.
Os professores José do Patrocínio Hora Alves e Carlos Alexandre Borges Garcia, do Departamento de Química da UFS, revelam, através de cuidadosas pesquisas, todo o aterrador panorama da poluição do Rio Sergipe no entorno de Aracaju.
Hortência Maria Pereira Araújo, do Núcleo de Ecossistemas Costeiros, demonstra os efeitos perniciosos da poluição sobre o equilíbrio da vida no estuário, e o rompimento em parte, da simbiose entre os manguezais, as águas marinhas costeiras e as águas estuarinas, o que constitui ameaça para os estoques pesqueiros da região.
Ailton Francisco da Rocha, faz dupla contribuição ao compêndio, com um estudo abrangente sobre as características da bacia hidrográfica do Sergipe.
Finalmente, enriquecendo as pesquisas históricas, a professora Eva Maria Siqueira Alves faz completa digressão sobre o nome do rio, englobando a polêmica que se travou em torno da denominação correta, se rio Cotinguiba ou rio Sergipe.
Esses primorosos trabalhos reunidos, formam este livro que, por certo, atrairá os leitores motivados por diversos interesses, desde o ecológico, ao histórico, ao econômico, enfim, sobre todos os diversos e atraentes temas tratados com sabedoria e gosto, por uma equipe exemplar de pesquisadores.
Aracaju, março de 2006
Luiz Eduardo Costa
Jornalista
Bibliografia:
ALVES, José do Patrocínio Hora. Rio Sergipe: importância, vulnerabilidade e preservação. São Cristóvão: Editora UFS, 2006
Um comentário:
olá estou realizando uma pesquisa acerca da qualidade da água do Rio Sergipe em torno bo bairro 13 de julho, e gostaria de saber como eu faço p adquirir este livro da bibliografia.
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