Por Roberto Barros e Gustavo Sixel
Na noite do dia 11 de setembro, violentos embates entre manifestantes e policiais agitaram Santiago do Chile, quando terminava uma marcha de protesto pelos 32 anos do golpe de Estado que derrubou o governo Salvador Allende, comandado pelo general Augusto Pinochet, sob auspícios da inteligentsia do imperialismo norte-americano. A marcha, com mais de 20 mil pessoas percorreu 25 quadras – em um trajeto que separa a Praça dos Hérois do túmulo do ex-presidente chileno, no Cemitério Geral de Santiago. No local, seria realizado um ato em homenagem aos presos, “desaparecidos” e outras vítimas de uma das mais sangrentas ditaduras da América Latina.Os manifestantes enfrentaram um forte operativo policial, com mais de 10 mil “carabineiros” fortemente armados. Os primeiros atritos deram-se nas redondezas do Cemitério, logo após o término da manifestação. Houve 87 manifestantes detidos e um morto, além de 21 policiais feridos e um oficial em estado grave. O ministro do Interior, Francisco Vidal, cinicamente atribuiu a culpa – depois de 49 detenções – a “100 ou 150 infiltrados” na marcha que seguia pacificamente.
A violência se espalhou por vários pontos da cidade, principalmente em bairros operários. Um manifestante – jovem de 17 anos, Cristian Castillo – foi atingido por uma bala no coração em Pealolón, a sudeste da capital. A juventude levantou barricadas de fogo e lançou coquetéis molotov contra veículos blindados da polícia. A radicalização dos protestos também fez com que 68 mil residências ficassem sem energia, devido à derrubada de cabos elétricos e postes.
“Nem esquecimento, nem perdão”
A política do presidente Ricardo Lagos de engavetar os processos por violações aos direitos humanos e aplicar indultos aos repressores condenados pela Justiça aumentou a revolta e deu o tom da manifestação. A marcha contornou a sede do governo, o Palácio da Moeda, local que foi quase destruído por bombardeios da força aérea golpista e de onde o corpo sem vida de Allende foi levado, escoltado por militares. Depois de 32 anos, as feridas seguem abertas e a exaltação de Lagos por perdão e esquecimento não fizeram mais do que exacerbar ainda mais os ânimos.A advogada Carmen Herz, responsável por numerosos processos contra repressores, advertiu sobre “as terríveis conseqüências” que implicariam uma política de “ponto final”. Ao largo de três quilômetros, somaram-se mais de 20 mil manifestantes. Entre suas palavras-de-ordem estavam o rechaço aos indultos e as mensagens de repúdio ao presidente Lagos, além das faixas em memória de Allende e dos cartazes e bandeiras de esquerda.
O outro 11 de setembro: Chile, 1973
O cineasta britânico Ken Loach, diretor de ‘Terra e Liberdade’, foi convidado para filmar um curta-metragem sobre o 11 de Setembro dos EUA. Loach não tratou do atentado que derrubou as torres gêmeas e fez seu filme sobre outro 11 de Setembro, o que, em 1973, deu início à uma ditadura no Chile que ceifou a vida de mais de 3 mil pessoas.
Este 11 de Setembro ainda está presente na memória dos chilenos. Além das faixas com “Lagos traidor” e “Verdade e justiça”, mais visíveis da marcha, não foram poucos os manifestantes que diziam que “Allende vive no coração dos chilenos”.
Em 1970, Salvador Allende chegou ao poder encabeçando a Unidade Popular, uma Frente Popular – governo de colaboração de classes entre Trabalho e Capital – do Partido Socialista e do Partido Comunista em aliança com setores burgueses. Apoiado na esperança de milhões de chilenos (e de militantes exilados de todo o mundo), o governo Allende protagonizou um dos períodos mais intensos da política do país. A partir dos trabalhadores organizados, a Frente Popular chegou a medidas que deixaram o nome de Allende marcado na memória dos chilenos. O governo chegou até a estatizar minas de cobre – algo inimaginável na Frente Popular de Lula, por mais que seus defensores tentem compará-los.
Mas a natureza da Frente Popular determinou o seu destino. Comprometido a defender o Estado capitalista, o governo da Unidade Popular pregou aos operários que confiassem nos oficiais “constitucionalistas” da alta hierarquia militar. Mais do que isso, Allende confiou ao general Pinochet o controle das Forças Armadas logo após uma tentativa frustrada de golpe.
Em 1973, Pinochet liderou um sangrento golpe de Estado que esmagou os movimentos sociais, os sindicatos e a esquerda no Chile, resultando em milhares de presos, torturados, “desaparecidos” e assassinados. Ao diluir a situação revolucionária e os organismos de duplo poder – os “cordões industriais” – Allende abriu caminho para uma sangrenta derrota histórica dos trabalhadores chilenos: o golpe e o massacre liderados por Pinochet.
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